Autor Tópico: Artigo sobre Automóveis Antigos  (Lida 1307 vezes)

Offline c0mpu73r

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Artigo sobre Automóveis Antigos
« em: 21 de Janeiro de 2019, 11:31 am »
Boas,

Juro que ainda à tempos li no fórum um "artigo" (entre aspas porque foi numa resposta a um tópico, mas merecia destaque) sobre os passos ou rituais para manter um automóvel nos anos 30 ou 40.

Se bem me lembra, um dos membros do fórum deixou um belíssimo texto onde abordava a dificuldade que era ter um automóvel naquela época, com detalhes de como era a caixa de velocidades, retirar e colocar os líquidos à noite e de manhã, aquecer o óleo do motor entre outras delícias.

Alguém se lembra desse texto? Obrigado. :smiley:

Offline c0mpu73r

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Re: Artigo sobre Automóveis Antigos
« Responder #1 em: 24 de Janeiro de 2019, 11:13 am »
Finalmente encontrei.

Magnífico post do Lino Marques no MotorClassico:

Citar
Eu conduzi o Opel do avô

Nos anos 30 já havia muitos carros a circular pelas estradas. Mas simplesmente entrar e rodar a chave de ignição – não, não era assim tão simples como hoje. Veja como era realmente andar de Opel.

Já nos anos 30 a Opel pertencia às marcas que qualquer criança conhece. Desde 1899 que os irmãos Opel já produziam carros e desde 1924 que até já havia uma espécie de produção em série numa linha de montagem e, assim, uma produtividade assinalável. O Opel mais conhecido nos anos 30 é o 4-PS-Wagen, também conhecido por Opel Laubfrosch (rã) devido à sua característica cor verde escura. É um carro barato para a época, de utilização simples, e foi produzido por 119484 vezes entre 1924 e 1931. Por comparação: 40 anos mais tarde, a Opel viria a construir 2,6 milhões de exemplares do seu Kadett B.
Em 1930, muitos alemães interessados num carro “a sério” estão de olho no Laubfrosch. O pequeno Opel é conhecido pela sua fiabilidade e, acima de tudo, pela sua facilidade de utilização. Nesta época, este era um aspecto muito importante, já que 10 anos antes a utilização de um automóvel era algo de muito complicado. Tinha que se ajustar constantemente a ignição e o carburador durante a viagem, nenhuma das relações de caixa era sincronizada e estas tinham de ser engrenadas com um toque de acelerador e através do pisar duplo da embraiagem.
Para além disso, a maioria dos carros não tinha motor de arranque eléctrico, tendo de ser colocados a funcionar com a ajuda de uma manivela. Isso custava não só força, mas muitas vezes também a própria saúde, já que se a ignição não estivesse correctamente afinada, a manivela girava de repente em sentido contrário, podendo partir um dedo ou mesmo o braço inteiro.
O Opel 4-PS-Wagen, pelo contrário, quase se conduz como um carro actual: arrancar, acelerar, embraiar, guiar e travar. Finalmente, também nos segmentos mais baixos as pessoas que não são experts em mecânica podem começar a pensar num carro. Médicos, negociantes de gado, vendedores – eis o típico cliente deste carro. Para eles, o pequeno e poupado Opel (consumo de 8 litros/100 km) torna-se num verdadeiro carro utilitário para quem viaja muito.
Os “4 PS” não precisam, felizmente, de ser levados à letra . A verdadeira potência do motor em 1924 é, ainda assim, de 12 CV e vai subindo gradualmente até aos 20 CV em 1929. Desta forma, o Opel, que apresentava um peso máximo de 870 Kg, atingia os 80 Km/h. Os “4 PS” são na verdade CV fiscais utilizados para calcular o montante de imposto a pagar. Naquela época, 1 CV fiscal corresponde a 250 cm3. O 4-PS tem, portanto, uma cilindrada de aproximadamente 1 litro. Mas antes que alguém possa submeter-se à adrenalina da velocidade, há primeiro que comprar. É aqui que termina o sonho da maioria dos alemães dos anos 30. Nem mesmo um engenheiro bem pago se atreve a pensar muito num carro novo nesta época. O Opel custa (dependendo do tipo de carroçaria) à volta de 5000 marcos. Parece pouco, mas equiparando ao poder de compra actual, isto corresponderia a +/- 40.000 €. Assim, nesta época a maioria das pessoas nem sequer pensa em comprar carro. Para além disso, há que pagar o seguro e o imposto sobre veículos. Na Alemanha dos anos 20 o imposto era pago à cilindrada, pelo que os alemães não podiam dar-se ao luxo de comprar um carro com capacidade decente. Os americanos podiam, por outro lado, oferecer motores de grande cubicagem pouco “puxados”, que duravam muitos kms. Por isso, os construtores alemães procuravam, desesperados pelo imposto sobre a cilindrada, retirar o máximo de potência de motores pequenos. Este objectivo é travado nos anos 30 pela gasolina, que continua a ser uma mistela de qualidade miserável, que um motor apenas consegue digerir sem grandes estragos se a taxa de compressão não ultrapassar de forma alguma a relação de 5:1. Acontece que, com uma taxa de compressão tão baixa, muito dificilmente se consegue extrair uma potência decente do motor. Deste modo se explica que o motor de 1 litro e 4 cilindros do Opel nem nos seus melhores tempos ultrapasse a fasquia dos 20 CV.
Mas, ainda assim, o Opel anda e, numa época em que as pessoas se deslocavam essencialmente a pé, de bicicleta ou de motorizada, essa era uma sensação inigualável. Nos Verões dos anos 30, um Opel destes era um fiel companheiro de viagem, ainda que exigisse óleo novo de 2000 em 2000 km, uma lubrificação completa aos pontos de aperto a cada 1000 km e tivesse, em média, um furo a cada 500 km.
Nos Invernos alemães daquele tempo a condução é algo bastante mais desagradável. Quem nos anos 30 dependia do carro mesmo com temperaturas negativas, tinha muito trabalho à sua frente. Chegar à noite e desligar o motor quando se chega a casa significava, com elevado grau de certeza, que o Opel (e os outros carros desta época) não só não arrancasse na manhã seguinte, mas que todo o carro sofresse danos avultados.
Não, não pode ser assim. Chegando a casa na noite gélida com os dedos hirtos, primeiro tem de se retirar toda a água do radiador através de uma torneira situada ao fundo do mesmo. É que ainda não existem produtos anticongelantes dignos desse nome que evitem que a água se transforme em gelo durante a noite. Nessa época, muitos motores conheceram o fim através de uma silenciosa “morte no gelo” nocturna, quando a água congelada rebentava literalmente com os radiadores e motores.
O próximo passo é escorregar para debaixo do Opel (antigamente ainda com uma altura ao solo respeitável, devido ao péssimo estado das estradas) e deixar escorrer o óleo ainda quente para dentro de uma panela velha. Mas para quê isso? Naquele tempo ainda não existiam aqueles óleos milagrosos, que mesmo com temperaturas negativas se mantêm fluidos. O óleo daquela época fica duro como cola quando a temperatura baixa. A fraca bateria de 6 volts e o débil motor de arranque não têm qualquer hipótese de colocar o motor frio em funcionamento na manhã seguinte. E nem a manivela vale de muito: o óleo duro impede que a cambota comece a girar.
A bateria, carregada em viagem durante o dia pelo miserável dínamo de corrente contínua de 80 W, também é desmontada à noite e levada para a cozinha juntamente com a panela cheia de óleo, onde a temperatura é mais amena. A saída está prevista para as 7h00 da manhã do dia seguinte. Às 5h00 soa o despertador mecânico: toca a sair da cama! Ainda de camisa de noite, carapuça e pantufas de lã, é hora de ir para a cozinha fazer fogueira. A panela com o óleo do dia anterior está em cima do fogão, assim como 3 panelas grandes com água para o radiador e para a higiene pessoal matinal. A pesada bateria está já no chão à beira do fogão. Entretanto, o dono do Opel dirige-se à casa de banho para fazer a barba e escovar os dentes. Tomar banho é algo que, com temperaturas assim tão baixas, nem sequer é uma hipótese! Segue-se o vestir. Roupa interior de lã e meias grossas debaixo do indestrutível fato de lã escocesa e os pesados sapatos de cabedal são obrigatórios, já que, obviamente, não existe sofagem a bordo do Opel.
É chegada a hora de ir ao encontro do bom velho Opel. O termómetro indica 12º C abaixo de zero – ainda existe uma possibilidade de conseguir fazer arrancar o carro. Desapertam-se as 4 velas com os dedos hirtos do frio e limpam-se os eléctrodos com uma escova de arame. Felizmente, no Opel 4-PS as velas estão colocadas num local acessível, na parte de cima do motor. Toca a apertá-las de novo, juntamente com os cabos de ignição. A esposa já vem a correr com a primeira panela cheia de água quente. Toca a vertê-la para dentro do radiador, que logo começa a emitir estalidos bem audíveis. Mas ele já aguentou esta operação inúmeras vezes. Seguem-se mais panelas com água quente, enquanto o dono do Opel vai à cozinha colocar a bateria por alguns minutos no forno, o que faz a energia começar realmente a circular. O óleo quente é vertido da panela para dentro do motor através da tampa superior. Agora é montar a bateria, antes que rebente. Apertar os cabos de ignição e abrir a torneira da gasolina, fechar a tampa do ar (choke) para tornar a mistura mais rica, ligar a ignição e pisar o botão starter situado acima do pedal do acelerador. Acompanhado de diversos estalidos e estampidos, o motor de arranque entra em contacto com o volante do motor. Chiando e gemendo, tenta fazê-lo rodar. Cinco, seis, sete voltas – ai que a energia já começa a outra vez a escassear. O motor de arranque começa a perder força – tirar as mãos do starter! Mas por que é que ele não arranca?? Apesar dos pólos da bateria lubrificados, apesar das velas escovadas brilharem, apesar dos cabos de ignição intactos, distribuidor limpo e carburador correctamente afinado? Um olhar sobre o carburador, especialmente sobre a câmara do flutuador. Talvez a gasolina não consiga chegar lá. Ah! Gelo no carburador, pois naquele tempo a qualidade da gasolina é tão má que contém também muita água. Com o motor desligado, aquela acumula-se no fundo da câmara do flutuador e transforma-se em gelo durante a noite.
Agora começa uma corrida contra o tempo, pois o óleo aquecido com tanto esforço começa rapidamente a perder viscosidade no interior do motor frio. O dono do Opel corre para dentro de casa e tira duas achas em chamas do fogão. De volta ao carro, segura-as corajosamente de braço esticado debaixo do carburador congelado. É a sua única oportunidade. O gelo tem de derreter. Desconfiado, não consegue parar de olhar o depósito de gasolina situado dentro do compartimento do motor. Apesar de esta disposição permitir a dispensa das pouco fiáveis bombas de gasolina, ela obriga a cuidados redobrados com fagulhas junto ao motor.
A coragem acaba por compensar, já que após 2 minutos de angústia o gelo no carburador acaba por derreter. Dá para notar pelo facto de a gasolina voltar a borbulhar levemente no interior do carburador após a abertura da torneira. Ligar novamente a ignição, pé no starter. Cinco, seis, sete, oito voltas – nada. Será que agora foi demasiada gasolina ou ar a menos? Ou ao contrário?
Agora só há uma hipótese: voltar a correr para dentro de casa, buscar o “saquinho do diabo”. O que é isso? É um saquinho de pano cheio de carboneto de cálcio em granulado. O carboneto de cálcio é uma substância que consegue produzir gases altamente inflamáveis. Basta humedecer um pouco o saquinho, juntamente com o seu conteúdo, e mandar a esposa (tremendo de frio apesar do espesso roupão) segurá-lo em frente ao filtro do ar. Uma espécie de piloto de arranque histórico! O granulado húmido liberta vapores de cheiro insuportável. Agora é puxar um pouco o choke, para que o motor possa puxar mais ar e assim também um pouco do gás explosivo do saquinho. Ligar a ignição e pôr a mão no botão starter. Cansada, a bateria já bastante desgastada pelas manobras anteriores tenta fazer rodar o motor, que continua a resistir ao movimento. Uma, duas – vrumm!!! Um cilindro pegou, puxando o resto do motor atrás; seguem-se os cilindros dois e quatro. Está a trabalhar! A esposa corre para a porta da casa, tapando o nariz. Primeiro o tetracilíndrico começa por emitir estampidos apenas em 3 cilindros, sob uma nuvem de maus cheiros e fumo. Colocar depressa o choke de novo na posição intermédia para que o motor não afogue, e mantê-lo acordado com toques ritmados no acelerador. Nem pensar em arrancar, pois ao menos esforço iria de novo abaixo. Tem de aquecer durante pelo menos dois minutos, para que o óleo chegue a todos os pontos do motor. É necessário ter paciência, senão destrói-se a peça preciosa.
Entretanto quase já funciona sem a ajuda do choke, mas o 2º cilindro continua sem funcionar. Com o frio, é sempre o 2º cilindro do tetracilíndrico da Opel que tem mais dificuldade em arrancar. Talvez o facto de ser o que está mais perto do carburador leve uma mistura demasiado rica para o seu interior, que depois não detona devido à humidade acumulada na vela. Nesse caso, só há uma coisa a fazer: com o motor em funcionamento, pegar num alicate isolante, desprender o cabo de ignição do 2º cilindro e colocá-lo a uma distância de 1 cm em relação à vela. Vêem-se nitidamente as faíscas a sair do compartimento do motor no crepúsculo matinal. Mas o breve pico de tensão faz a vela acordar definitivamente e de forma brusca. A faísca volta a saltar sobre os eléctrodos da vela e o cilindro volta a funcionar. Depressa voltar a apertar o cabo e arrumar a ferramenta no sítio.
Vamos lá! O motor já quente tem agora um trabalhar mais macio e redondo. A 1ª velocidade está engrenada e logo o Opel se coloca em movimento. O dono agradece-o não apenas ao motor, mas também à meticulosa manutenção dos travões de cabo lubrificados com massa resistente ao frio. Se os travões congelarem, nem mesmo com o motor em funcionamento o carro irá andar. A velocidade de caracol, arrisca engrenar a 2ª marcha da caixa de 3 velocidades ainda gélida. Apesar do manuseamento sensível e cuidadoso da manete colocada no meio, e apesar de carregar o pedal da embraiagem bem até ao fundo, a mudança entra com um bem audível “arranhar” – isso dói! Depois, é carregar de forma determinada no pedal do acelerador e aos 30 Km/h engrenar a 3ª velocidade com a desmultiplicação de 1:1. Agora é avançar! A neve range debaixo dos finos pneus de 18 polegadas de diâmetro. As molas laminadas, rígidas por causa do frio, fazem o carro saltitar sobre o piso empedrado. Alegre, o Opel ultrapassa uns vultos encapuzados e bem enrolados em roupagens grossas em cima de bicicletas. Peões apressados tentam resistir ao frio penetrante, inclinando-se para a frente, e acompanham o Opel com os seus olhares invejosos, pois ninguém calcula a trabalheira que este veículo já causou hoje. De vez em quando vêem-se automobilistas desesperados junto aos capôs abertos dos seus carros, sem saberem o que fazer. O dono do Opel fica feliz por não ter comprado nenhum Hanomag, DKW ou Adler.
No interior do Opel a temperatura é pouco mais alta do que lá fora, mas ainda assim o gélido vento de Leste fica do lado de fora do habitáculo de madeira e chapa. E além do mais, a diligente esposa mandou também um termo com água quente que ela aqueceu no fogão e que, colocado debaixo do casaco comprido do marido, lhe aquecia agora deliciosamente os pés e as pernas.
De 2 em 2 minutos, o condutor tem de limpar o gelo que se vai formando do lado de dentro do pára-brisas – ventilação era algo que ainda não havia naquele tempo. Ainda assim, a pouco e pouco o habitáculo vai-se tornando mais acolhedor. Até ao próximo arranque matinal ao frio...

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Re: Artigo sobre Automóveis Antigos
« Responder #2 em: 24 de Janeiro de 2019, 14:14 pm »
Boa! Ainda bem que conseguiste encontrar. Se estava cá ele tinha que aparecer ;)